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Ver Marte com a dimensão da Lua

Quinta-feira, 26.09.13

Com alguma periodicidade própria da fantasia (ainda há quem esteja à espera do fim do mundo Maia em 2013...), têm aparecido nos últimos anos (sempre no fim do Verão) "alertas” do tipo: “um fenómeno astronómico extraordinário vai verificar-se, poderá ver Marte com as dimensões da Lua...”.

E há quem acredite, que acredite que nessa noite vai assistir ao tal fenómeno. E, pensando bem, será assim tão ingénuo? Acho que não, não nos tempos que correm. Então não se acredita que Portugal vai regressar brevemente aos mercados? Provavelmente não, mas o que é que tal significaria no âmbito das medidas de austeridade e no dos sacrifícios dos portugueses? Então não se acredita nas promessas eleitorais sendo elas que condicionam o voto na enorme maioria do eleitorado? Então não se acredita que é agora que a justiça vai funcionar, que a corrupção vai acabar e que todos os trafulhas e pedófilos vão para a cadeia? Então, porque não acreditar no Pai Natal ou que, numa fabulosa noite, se verá Marte com as dimensões da Lua? 

Então, então, porque não?...

 

Porque obviamente não e a explicação expedita e eventualmente grosseira é a que segue (e se for errada ou demasiado tosca peço, desde já, desculpas).

Considere-se, então e como mera simplificação (repito e sublinho) o teorema de Tales (como no 3º ano do Liceu se ensinou aos da minha geração, mas aqui d´el Rei se ele constasse hoje numa prova de aferição de conhecimentos).

Tales, natural de Mileto na actual Turquia, foi um filósofo pré-socrático (625 aC-547 aC), considerado um dos “sete sábios da Grécia” e pai da ciência moderna; utilizava a geometria para resolver problemas matemáticos. Deve-se a ele o denominado “Teorema de Tales”.

Na presente questão o teorema pode colocar-se na seguinte forma:

“O diâmetro de Marte está para a distância de Marte à Terra assim como o diâmetro da Lua está para a distância da Lua à Terra.”

                                            

Dados:

- distância de Marte à Terra: 74.798.935 km (variável, função da órbita considerada);

- distância da Lua àTerra: 384.400 km;

- diâmetro da Lua: 3.475 km;

Destes dados resulta, pela aplicação do teorema de Tales, que o diâmetro de Marte seria cerca de 676.148 km.

Ora acontece que o diâmetro de Marte é na realidade cerca de 6805 km (100 vezes inferior).

Isto é, se da Terra se observasse Marte com as mesmas dimensões da Lua, seria necessário que Marte tivesse um diâmetro cerca de 100 vezes superior ao que realmente tem.

A conclusão parece-me ser a seguinte:

No afã de dar uma notícia extraordinária, o "jornalista" esqueceu-se (?) de precisar que se referia a uma observação não a olho nu mas com luneta com um factor de ampliação de cerca de 100...

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publicado por Alea às 16:03

Os tempos de hoje. Pois bem !

Quarta-feira, 18.09.13

Num tempo de profunda e grave crise económica, financeira e social é imbecil certo tipo de mensagens e de discursos optimistas, do género amanhã estará tudo bem o mal é só para hoje. Se calhar essas afirmações (próprias de adultos mentecaptos para criancinhas ou de pacóvios caridosos para doentes em estado terminal) são verdadeiras se o amanhã significar duas ou mais décadas e o hoje ser o mesmo de o amanhã. O realismo e a verdade sempre foram as reacções correctas face ao infortúnio, sendo o silêncio uma atitude alternativa digna e séria. A mentira, que sempre se revela, é raramente justificável.

Os portugueses andam distraídos e, sobretudo, esquecidos: temos uma história gloriosa e cheia de realizações “impossíveis”.

Somos um povo que sempre revelou qualidades extraordinárias: bravura no limite da temeridade, trabalho esforçado nas condições mais difíceis, qualidades raras de adaptação a meios diferentes, de aceitação de outras raças e culturas, inteligência, poesia nas mais profundas e mais ligeiras coisas da vida, lealdade e honra (conceitos hoje em dia muito nebulosos), persistência, imaginação, "desenrascanço” e tantas outras mais. Mas não, hoje vivemos complexados e deslumbrados com o que é estrangeiro. Nórdico, em particular.

Defeitos? Claro que sim como tudo o que é terreno, ou seja tudo.

Mas os defeitos acentuaram-se com a integração noutros espaços e culturas de que estivemos afastados durante séculos e o esquecimento das nossas qualidades é uma confrangedora realidade com excepção dos reinos (porque o são) da política e do futebol onde a mediocridade impera e é alarvemente alimentada. Vivemos na “civilização do espectáculo” (ler um dos últimos livros de Vargas Llosa sobre este assunto). O que faz falta em Portugal são opiniões e colunas vertebrais direitas, podendo, obviamente, serem ambas esquerdas...

Veio-me à mente este poema de Afonso Lopes Vieira.

Leiam, não vos fará mal e, sobretudo, é animador.

Pois bem!

Se um inglês ao passar me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,
fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.
Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,
fui eu que t'as cedi num dote de princesa.
e para te ensinar a ser correcto já,
coloquei-te na mão a xícara de chá...
 
E se for um francês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Recorda-te que eu tenho esta vaidade imensa
de ter sido cigarra antes da Provença.
Rabelais, o teu génio, aluno eu o ensinei
Antes de Montgolfier, um século! Voei
E do teu Imperador as águias vitoriosas
fui eu que as depenei primeiro, e ás gloriosas
o Encoberto as levou, enxotando-as no ar,
por essa Espanha acima, até casa a coxear

E se um Yankee for que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Quando um dia arribei á orla da floresta,
Wilson estava nu e de penas na testa.
Olhava para mim o vermelho doutor,
- eu era então o João Fernandes Labrador...
E o rumo que seguiste a caminho da guerra
Fui eu que to marquei, descobrindo a tua terra.

Se for um Alemão que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Eras ainda a horda e eu orgulho divino,
Tinha em veias azuis gentil sangue latino.
Siguefredo esse herói, afinal é um tenor...
Siguefredos hei mil, mas de real valor.
Os meus deuses do mar, que Valhala de Glória!
Os Nibelungos meus estão vivos na História.

Se for um Japonês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Vê no museu Guimet um painel que lá brilha!
Sou eu que num baixel levo a Europa á tua ilha!
Fui eu que te ensinei a dar tiros, ó raça
belicosa do mundo e do futuro ameaça.
Fernão Mendes Zeimoto e outros da minha guarda
foram-te pôr ao ombro a primeira espingarda.

Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus;
Vejo no firmamento as estrelas de Deus,
e penso que não são oceanos, continentes,
as pérolas em monte e os diamantes ardentes,
que em meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo:
São estrelas no céu que o meu olhar, subindo,
extasiado fixou pela primeira vez...
Estrelas coroai meu sonho Português!

Post Scriptum.
A um Espanhol, claro está, nunca direi:
Pois bem!
Não concebo sequer que me olhe com desdém.


Afonso Lopes Vieira - 1878 - 1946

PS: Ó saxões, francos, yankis, alamanos, japoneses, castelhanos, desculpem qualquer coisinha.


 

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publicado por Alea às 21:44

O computadorzinho

Quarta-feira, 11.09.13

“ O binómio de Newton é tão bonito como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente para dar por isso...” F. Pessoa

O meu relacionamento com os computadores foi sempre especial. Trato-os quase como animais e não como sofisticados mas simples instrumentos de trabalho. Desconfiança, descrença e antipatia colocam-nos no meu mundo nos antípodas das mulheres. Considero-os como tentadores convites à preguiça e inimigos do pensamento. É certo que são e continuarão a ser indispensáveis e potentes ferramentas em muitos domínios da intervenção humana mas não passam disso, não passam de meros utensílios. No "longínquo" futuro, não sei; poderão ser mais do que aquilo (governar, guerrear, julgar, curar, instruir...), perspectiva que me deixa com um misto de apreensão e de esperança. A poesia em particular será sempre, creio, inalcançável para eles.

O primeiro conheci-o ainda estudante, não tinha rival em terras lusitanas, era o orgulho da engenharia civil e ocupava uma enorme sala do LNEC (1963).

O segundo, muito mais modesto, tinha uma capacidade limitada a cálculos relativamente simples e chamava-se Sofia (1970). Foi com ele que dei os meus primeiros passos no mundo da informática e dele guardo saudades pela intimidade e informalismo da nossa relação.

O terceiro, no topo da actividade privada nacional, lançou a pobre Sofia para o esquecimento e para tarefas menos nobres e teve, inclusivamente, honras de pomposa apresentação aos órgãos de comunicação. Ocupava uma área de significativa dimensão, especialmente acondicionada (aparentemente devido à sua frágil saúde) e era conhecido por 1130 (1972).              

                     

Os modos apaparicados como o tratavam e a respeitosa auréola de super-máquina que pairava no ar dos seus aposentos davam-lhe, a ele e aos eleitos que com ele intimamente privavam, um notório estatuto de favoritismo que me encanitava.

Que era indispensável era e que ridicularizava a minha régua de cálculo e a minha calculadora mais-menos-vezes-dividir, também. Mas eu vingava-me denunciando as insuficiências do coitado, como a sua patética dependência de cartões perfurados de sagrada sequência. Se esta não fosse respeitada ou se um furo estivesse fora do seu campo, as consequências eram fatais, porque o desgraçado perdia-se ou lia dez mil em vez de dez.

                      

Apontar e registar as suas fraquezas era o meu sádico prazer quando a ele recorria. Não perdia uma oportunidade de o menosprezar e de mostrar aos seus sequazes que, afinal, todos eles não eram tão importantes e tão indispensáveis como isso. Sublinhava, com um sorriso maldoso, que a maquineta ia ficando velha e que estavam contados os tempos dos seus vassalos.

Como em tudo, profetizava eu, a “democratização” e o avanço tecnológico atingirão a informática de modo fulgurante e, num amanhã não tão distante como isso, cada um de nós, os pobres cá de baixo, disporá em regime de exclusividade de um daqueles escravos. Os génios eleitos riam incomodados.

Eram aqueles tempos de crise difíceis para uma empresa de projecto e qualquer hipótese de trabalho no horizonte era afincada e desesperadamente agarrada. Assim aconteceu num concurso para as terras da Argentina. O curtíssimo prazo e a necessidade de optimizar a solução tornavam indispensável o recurso à 1130. Mas os laboriosos cálculos ocupavam muito tempo pelo que decidi introduzir os cartões no fim do dia e ir recolher os resultados na manhã seguinte, não prejudicando, assim, as prioridades estabelecidas para outros trabalhos em curso.

Na altura tinha decidido substituir a minha já ultrapassada máquina de calcular pelo último grito da moda, gritos cada vez mais frequentes. Tinha como marca o viril nome de Texas (1976), possuía um leitor magnético e ocupava um palmo em vez dos metros quadrados do 1130. 

A novidade conseguiu entusiasmar-me, a ponto de rebuscar na literatura programas de cálculo compatíveis com as suas características e que me libertassem do 1130. Por coincidência, encontrei um perfeitamente ajustado às necessidades do meu baile de tango e depois de algumas adaptações gravei-o na fitinha magnética do “cowboy“. Era só para ver, para comparar resultados e desempenhos.

Depois de mais uma noite de cálculos pelo 1130, resolvi introduzir a solução final na Texas. Liguei-a à corrente, mentalizei-me para uma longa espera e quando estava pronto para sair para o almoço reparei que alguma coisa de estranho se passava. A luzinha vermelha avisadora de final de tarefa ou de erro pusera-se a piscar. Revi o programa e saí. No regresso tive a desagradável surpresa de ver novamente a piscar a luzinha vermelha da maquineta. O problema era provavelmente demasiado pesado, pensei eu, mas, por curiosidade, carreguei nas teclas de resultados e, para meu espanto, lá estavam todos eles. A Texas tinha resolvido em alguns minutos o que o 1130 vomitava depois de um bom par de horas.

Era um triunfo a que não pude evitar de dar a merecida publicidade. Que tinha sido uma excepção, que era um caso particular, respondiam encavacados e contrariados os treinadores e preparadores depois do combate.

Pois sim, “fala que me instróis”.

A verdade, verdadinha, é que o poderoso e experiente 1130 tinha sido posto KO por um novato treinado por mim, o qual, a partir desse dia, foi por mim promovido ao estatuto de computadorzinho.

 

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publicado por Alea às 23:41


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