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A intolerável "tolerância de sentido único"

Quarta-feira, 27.03.13

O homem tem o dever como homem de ser tolerante, mas a tolerância é, por vezes, de sentido único o que conduziu no passado não só a falsificações, mentiras, corrupção, espoliações, nepotismos e outros tipos de favorecimento (o que poderia ser apenas "menos tolerável") mas, também, à abjecção: ditaduras, prisões em massa, assassinatos, massacres, guerras. 

Pense-se no "nazi" que eliminou judeus, ciganos, eslavos em nome da pureza rácica, no “católico” que apagou história e homens em nome de uma “verdade”, no "sionista" que espolia milhões de palestinianos das suas terras em nome de um “direito histórico” e que constrói muros que de vergonha nada devem ao de Berlim, no “estalinista” que tornou a Sibéria um imenso campo de concentração, no “polpotiano” que empilhou milhares de crânios “mal pensantes”, no "imperialista" que avilta e mata civis por petróleo, no “genocida esclarecido” que elimina qualquer vestígio cultural ou religioso, arménio, curdo ou outro, ou no "fundamentalista islâmico" que massacra o “infiel”, incluindo o da sua própria crença. Etecetera. Tudo intolerável e, em evidentes casos, abjecto e resultado da “tolerância de sentido único".

O nosso país está cheio dos que se consideram uma classe superior, muito tolerantes para os deles mas prontos a sacrificar os que a ela não pertencem. A maioria é, dizem, superiormente preparada. Mas só na teoria. Não possuem experiência, sabedoria e bom-senso. Ignoram a simples e palpável realidade.

Para que serve um cirurgião com superiores conhecimentos de anatomia se nunca operou? Para que serve um engenheiro cheio de complexas e trabalhosas teorias se nunca as aplicou a uma realidade? Para que serve um licenciado em direito que sabe o código civil de frente para trás e os códigos romano e napoleónico se desconhece o  tribunal? Para que serve um economista (macro ou micro) que tudo leu e estudou o antes e o depois de Adam Smith se nunca geriu fosse o que fosse ou que de óptimo aluno passe logo para “director-geral” de um organimo estatal? E, no entanto, podem ser todos doutorados, professores, possuir elevadas e comprovadas qualificações académicas. "Quem sabe faz, quem não sabe ensina".

Acontece o mesmo na política.

Para que serve um político directamente saído das “juventudezinhas partidárias” ou nomeado pela alta finança ou pela maçonaria? Todos são mestres na teoria e aprendizes na prática e o orgulho e a falta de humildade (por vezes a imbecilidade) impedem-nos de adquirir a experiência tal como ela própria o exige: a começar de baixo. Para a miserável situação a que se chegou, contribuíram quase todos e todos têm para ela explicações, culpas e vagos remédios. Referência a incompetência, corrupção, vergonhosos conluios e a ganância de poder e prestígio? Não. Mea culpa? Não. A culpa é sempre dos outros, “...é do pólen dos pinheiros, do urso que hiberna, da encefalopatia espongiforme bovina, da Eva que comeu a maçã, dos que usam gravata...”. Deles? Nunca!

Causa pública? Não sabem o que é. Pobreza pública? Ignoram-na. Ah!, tantas comoventes declarações, tanta sacudidela da água do capote numa total ausência do espírito de servir e com uma enorme preocupação de poder, numa chafurdice nunca vista. Mas, candidatam-se, oferecem o seu superior e desinteressado saber. São todos amigalhaços que só a inveja separa porque ideais só proclamam os que lhe convêm.

Sei que o homem é mau e que mau continuará a sê-lo, mas existe um particular obstáculo para que o homem mude: o alheamento (quando não o apoio) cúmplice do poder político, económico, religioso, profissional. A cambada que nos rodeia à esquerda, ao centro e à direita é fruto da nossa ingénua tolerância. A cambada e a sua cáfila que nos rodeiam têm apenas a “tolerância de sentido único”: para os deles e com o sentido único do dinheiro, do poder, do prestígio, da influência. Tudo com a prepotência que a impunidade dá.

 

 

 

 

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publicado por Alea às 16:17

O falcão, o cherne, o leão e o grilo

Domingo, 24.03.13

O Presidente do Eurogrupo, que reúne os 17 ministros das finanças da zona euro, agendou para amanhã, domingo 24 de Março, uma reunião extraordinária para a análise da situação de Chipre.

                                             

Jeroen Dijsselbloem, conhecido como falcão no âmbito das resoluções relativas à crise das dívidas soberanas que afectam a Grécia, a Irlanda e Portugal (por enquanto apenas estes três países , sendo, no entanto, conhecidas as dificuldades que atravessam as economias da Espanha e da Itália e as evoluções negativas em França e, até, na Alemanha), considera inevitável a imposição de uma taxa sobre todos os depósitos bancários nos bancos cipriotas. Julgo que é um escândalo, uma inconsciência e um autêntico roubo a cidadãos europeus que deram a sua confiança a uma Europa que desde 2008 não sabe como resolver a sua crise financeira.

Esta mesma Europa que, através da Comissão Europeia, se demarcou (?!) do Eurogrupo após várias entidades (em particular o BCE) e vários países terem rejeitado a paternidade da medida aprovada por unanimidade (sublinhe-se, Victor Gaspar portanto incluído): “…não há ninguém a culpar pois foi uma decisão unânime…”.

                                                  

(O cherne de mãos atadas)

Lá como cá a culpa vai morrer solteira.

No entanto, pelo semanário Expresso sabe-se que Olli Rehn foi o pai da ideia propondo um corte de 3% a 5%, que Christine Lagarde foi mais radical e avançou com 30% a 40% de corte e que Wolfgang Schoble entendeu que era necessário um patamar entre os 7,5% e os 18%. O ministro das finanças de Chipre ameaçou abandonar a reunião e o Presidente de Chipre ameaçou abandonar a zona Euro. Elucidativo.

Por cá, a atenção dos “média” vira-se também para o futebol (para variar), em particular para as eleições no Sporting, com dívidas estimadas em 450 milhões de euros. A campanha eleitoral decorreu “com grande elevação”, os três candidatos debateram em conjunto publicamente e com civismo as linhas principais dos seus programas para depois, à boca das urnas, dois deles trocarem acusações mútuas (como é habitual). 

                                               

77Colinas.blogspot.p

(Victor Gaspar e a sua bola de cristal com previsões)

Também a contratação de Pinto de Sousa, mais conhecido por Sócrates, (que actualmente vive em Paris num continuado, intenso e exigente esforço intelectual) para um programa semanal de comentário político, com uma duração de meia hora em horário nobre, é objecto de debate e de petições públicas, contra e a favor.

“José Sócrates não receberá, directamente, qualquer retribuição financeira como comentador na RTP. Contudo, desconhecem-se ainda os termos concretos do acordo entre o ex-primeiro ministro e o canal sob responsabilidade política de Miguel Relvas”. (in jornal Económico de 21 de Março). Deste modo, deverá tomar um voo semanal Paris-Lisboa-Paris presume-se que apenas graças a empréstimos bancários e ao apoio maternal, tal como o seu porta-voz recentemente declarou em relação às suas principescas despesas na capital francesa.

Julgo que a luta pelas audiências venceu o bom senso e a vergonha na cara a qual passou, dizem, como moeda de troca, por um convite a Dias Loureiro para actividade semelhante o qual, como é evidente, declinou (caso tivesse aceite ter-se-ia eventualmente mais informação sobre o escândalo do BPN). Parva é que a criatura não é. Será Morais Sarmento a desempenhar a tarefa do lado do PSD. Julgo também que os resultados escolares de Pinto não se ressentirão: obterá o seu diploma numa escola francesa de excelência (para mim continua a ser um “mistério” como foi aceite a sua candidatura) à falta de uma licenciatura portuguesa credível mesmo em estabelecimento de ensino de engenharia de segunda categoria.

                  

“Como saber o certo do errado? Através de uma consciência disse a Fada Azul. Mas ele não tinha uma e foi então que a Fada Azul nomeou o Grilo Falante para consciência de Pinóquio”.

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publicado por Alea às 00:07

O "imperialismo" e o embondeiro

Terça-feira, 19.03.13

Recordações da guerra - Moçambique (1970-1972), Omar

“...puras verdades, já por mim passadas. Oxalá fossem fábulas sonhadas.“ Luís de Camões.

Lembro-me de nesse mês de Janeiro 73 já nos considerávamos “cocuanas“ e não os inexperientes “xecas“ recém-vindos da Metrópole, do “puto“ como lá se dizia.

A nova missão da CENG 2736 era Omar, na margem sul do rio Rovuma.

Omar, no final de uma picada por nós aberta durante a “Nó Górdio“ (1970), tortuosa, ao longo de território perigoso e que agora era necessário alargar e desmatar, vinte metros de cada lado. Omar, primeira posição portuguesa a render-se aos “turras” depois do 25 de Abril.

Conheci-a muito bem, estive nela enfiado muito mais de um mês depois de terem sido concluídos os trabalhos, um ano antes, de abertura de um estacionamento e de construção de uma pista de aviação.

Sim lembro-me, passados mais de trinta anos, de Omar escaldante e inóspito buraco com a sua tabuleta com a direcção e os kilómetros para Lisboa.

                                      

Numa soalheira manhã para lá partimos de Mueda, com uma muito forte e experiente protecção e a minha experiência bem gravada na cabeça, experiência resultante de erros passados, alguns mortíferos.

                                     

http://3ccomandosmocambique.multiply.com/video/item/137/137

Nunca atravessar uma clareira (em geral uma "machamba") como se fosse o Rossio num Domingo sem trânsito. Por o termos feito, como “xecas“ que na altura éramos, sofremos dois mortos. Foi puro e simples tiro ao alvo.Nunca abrir o estacionamento no alinhamento da picada recém-aberta porque assim eramos um alvo bem para o morteiro. Decidi depois que a nossa “pernoita” devia estar desviada num cotovelo. Era aí que parávamos, que construíamos as nossas barreiras de terra e que dormíamos debaixo das viaturas. Acabaram-se as angústias de meio da noite com o som da saída, o silvo da trajectória e os rebentamentos antes e depois de nós.

Ao longo daqueles quase dois anos de guerra, testemunhei a invisivel passagem do cavalo esverdeado do Apocalipse no qual cavalga, com outras, a fome. Aprendi a gostar de comer cebolas cruas como se maçãs fossem, a desenterrar nas machambas a gostosa mandioca. Passei a rejeitar maquinalmente pêssego em calda, carne e sardinhas enlatadas, leite condensado, enfim quase tudo aquilo que fazia parte da ração de combate. Comi cobra, encontrada de manhãzinha ao acordar, enroscada no calor do motor da máquina debaixo da qual dormia, e que é comida sensaborona. Comi porco-espinho, muito rijo e adocicado. Percebi como nas guerras de antigamente se comia tudo: ervas e raízes, cães, gatos e ratos, cavalos e homens. Percebi, também, como nas de hoje se continua a comer tudo e porque é que desaparecem populações inteiras de jardins zoológicos e de aquários: é a passagem do cavalo esverdeado. No meu caso era um cavalo sem côr no qual cavalgava o enjôo.

Enfim lembranças que não gosto de lembrar.

                            

Eram pouco mais de sessenta kilómetros sempre planos, de mato rasteiro que permitia um progresso rápido ou de embrenhada floresta que dificultava os trabalhos e lhes diminuía o ritmo. Havia de tudo, desde o pequeno e frágil arvoredo até às velhas e enormes árvores. Para o derrube destas como a potência de uma só máquina era insuficiente recorríamos ao expressamente proíbido pelos chefes instalados em Nampula, técnica que eu denominei “da bicha de pirilau“. Consistia ela em colocar-se atraz da primeira máquina, de lâmina encostada ao tronco, mais duas em bicha, triplicando assim a força total. Era remédio santo.

Mas há sempre excepções e ela ocorreu na forma de um embondeiro plantado mesmo no meio do enfiamento da nossa picada. Depois de tudo tentado e de uma boa hora de trabalho, desisti. Resolvi armar-me em paisagista, em técnico de prevenção rodoviária, e fazer uma bela rotunda, quebrando a monotonia daquela imensa recta, evitando hipotéticos acidentes por excesso de velocidade ou por adormecimento ao volante. O imponente embondeiro lá ficou, coitado, com o tronco cheio das feridas inflingidas pela lâmina dos “dozer“. No seu tronco mandei colocar uma mensagem para o inimigo, escrita na tampa da caixa de uma ração de combate, que se rendessem à engenharia que era tropa amiga e de confiança.

                                       

E continuou-se o trabalho rotineiro mas poeirento, sob um sol escaldante e sempre sob a ameaça deles e de um ataque de...abelhas que tudo e todos paralizava. Havia dias em que não conseguíamos progredir mais do que quinhentos metros, tal era a densidade da floresta e a robustez das árvores, e isto para desespero dos chefes instalados em Nampula, desconhecedores da realidade daquele mato.

Um dia recebi via rádio uma ríspida ordem para avançar mais depressa. Era considerado que estávamos a ser lentos. Os “crânios” da guerra consideravam-nos turistas passeando naquele lindo matagal no meio de musicais e surpreendentes emboscadas, recebendo, dia-sim dia-não, gostosa e típica morteirada. Ora m...

Respondi de imediato e, no meio de profusos Vexas e de respeitosamente, dizia que iria obedecer de imediato mas que solicitava respeitosamente que aquela aparente alteração da ordem de operações fosse confirmada pela mesma via, evitando as consequências de um malentendido da minha parte. Na eventualidade de uma mudança de planos, se não fossem feitos o alargamento do itinerário e a desmatação de vinte metros, a engenharia chegaria a Omar no dia seguinte, garantia eu. Não recebi resposta e não voltaram a chatear.

No regresso de Omar, dificil e perigoso porque eles sabiam exactamente por onde iríamos passar, chegámos à “minha” rotunda, mas do embondeiro nada. Só um largo cepo com um cartão espetado no topo. A enorme árvore tinha sido laboriosamente cortada à catana e no verso da tampa de cartão que lá tinha deixado li a resposta à minha mensagem e que era mais ou menos esta: “O que a força bruta das máquinas imperialistas não foi capaz conseguiu a força do povo oprimido. “

 

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publicado por Alea às 10:48


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